Meu nome é Marcel Arakaki Asato, tenho 31 anos e sou da 4ª geração de descendentes de okinawanos em Campo Grande. Minha família materna tem raízes na região de Ozato, atual Nanjo, e a minha família paterna tem origens em Kitanakagusuku. Profissionalmente atuo como médico patologista e professor de Patologia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Frequentei a Associação quando era criança, na época em que meu avô materno, Tokuzen Arakaki tocava samisen ou sanshin aqui. Fiquei afastado por um longo período, por toda a minha adolescência e início da minha fase adulta. Porém isso não quer dizer que eu me afastei da cultura okinawana. Pelo contrário, durante boa parte da minha vida tornou-se um hobbie e minha paixão pesquisar e estudar sobre a cultura e história de Okinawa. A razão para isso, nem eu sei bem explicar o motivo. Para mim, a questão identitária foi muito importante no desenvolvimento desse interesse. Tenho muito orgulho em dizer que sou brasileiro, de origem asiática da ilha de Okinawa. O que mais me chamou atenção durante meus estudos sobre a história de Okinawa é a resiliência e a perseverança do povo okinawano perante as adversidades (pobreza, desastres naturais, invasões de outros povos, guerras, etc).
Gostaria de inicialmente parabenizar o Eduardo Kanashiro pelo excelente trabalho realizado nestes 4 anos e também agradece-lo pelo convite e apoio para concorrer a este cargo, mesmo que nos conhecêssemos há tão pouco tempo. Quando o Eduardo me trouxe essa idéia, inicialmente fiquei sem saber o que dizer, já que não imaginava receber uma proposta como essa (que exige uma enorme responsabilidade) nesta fase da vida que estou. Porém, após muita análise, decidi aceitar esse desafio, mesmo sabendo de todas as dificuldades pelas quais passa a Associação e o mundo no geral. Decidi aceitar pois tenho certeza que não estarei sozinho nesta jornada e terei ajuda de todos vocês. Sei que não será um trabalho fácil, mas prometo que me envolverei e me dedicarei muito, tendo como objetivo final a preservação e divulgação da nossa história e cultura.
Gostaria também de agradecer a algumas pessoas que conheci neste último ano e que foram fundamentais para que isso fosse possível: Patrícia Aguena, Crystian Proença, Henrique Arakaki, Leonardo Sone, Isabela Shiroma e Nelson Hokama. São pessoas que assim como eu, têm em comum uma grande paixão pela história e cultura de Okinawa. Através de conversas com eles, surgiram idéias e projetos, alguns deles já colocados em prática e tido algum sucesso, como por exemplo as postagens do Instagram da página da Associação Okinawa, além de vídeos como do Ano do Boi e o do Sanshin no Hi. Sem o entusiasmo e apoio dessas pessoas, é improvável que hoje eu estaria aqui.
Gostaria também de agradecer a todos os que aceitaram o convite para fazer parte desta nova diretoria da Associação. E também agradecer aos que não aceitaram por diversos motivos pessoais, mas que caminharão junto conosco nessa jornada, ajudando-nos de diversas maneiras.
O mundo está em constante transformação. Tudo está mudando e de forma muito rápida. As famílias já não são mais como eram há 1 ou duas gerações atrás. Famílias grandes (como eram as okinawanas) transformaram-se em famílias pequenas. Os descendentes dos primeiros imigrantes, sejam uchinanchus, japoneses ou de outras etnias já estão totalmente integrados à sociedade brasileira. A grande maioria já não tem mais interesse, tampouco sentem necessidade de se aprender sobre a cultura/história ou língua dos ancestrais. E eles não estão totalmente errados em pensar assim, pois é algo natural. Também as relações pessoais de amizade tornaram-se fisicamente mais distantes, mas ao mesmo tempo aproximadas pela tecnologia (internet e as redes sociais). E ainda por cima vivemos num período atípico de pandemia que nos obrigou a adaptar nosso estilo de vida. Algumas dessas mudanças não são necessariamente classificáveis em boas ou ruins, mas fazem parte do processo de evolução da nossa sociedade. Porém elas acabam se tornando um desafio para nossa Associação. É desafiador saber quais são os atuais e os futuros objetivos da Associação Okinawa perante os associados e perante a sociedade campo-grandense.
Meu intuito nestes próximos dois anos será de dar continuidade ao trabalho que vem sendo realizado pelas diretorias anteriores, que permitiu o florescimento e preservação da cultura okinawana na nossa cidade até hoje. Para isso eu precisarei contar com a ajuda de todos vocês mais experientes. Fazer a Associação cumprir seu papel social com os mais idosos e ao mesmo tempo torná-la mais atraente aos mais jovens. Comumente ouço aqui as pessoas dividirem os frequentadores da associação em “jovens” e os “mais velhos”. Concordo que as necessidades e desejos desses grupos etários sejam diferentes. Porém ao mesmo tempo percebo uma profunda integração entre esses grupos etários, conectados pelo objetivo em comum que é a preservação das memórias e cultura dos imigrantes de Okinawa. Então pensando nisso pensei no nome desta Chapa, Gerações Unidas, onde eu espero que os mais experientes / mais velhos nos tragam suas vivências e orientações, enquanto os mais jovens contribuirão com novas idéias e uma energia vibrante.
Trabalharemos para a manutenção e melhoria das atividades já existentes, como o ensino da língua japonesa, o karaokê, as aulas de sanshin, buyo, gateball, reforçando as questões de segurança física, estrutural e biológica.
Estarei também aberto a novas idéias que possam contribuir para a nossa comunidade, seja para a preservação da cultura, ou seja para o bem-estar dos associados. Dentre algumas dessas idéias e projetos para o futuro estão: a criação de um Museu da Imigração Okinawana em Campo Grande; criação de compilado de vídeos de receitas de pratos da culinária okinawana; criação ou reativação de atividades para bem estar de idosos e jovens (como aulas de cerâmica e teatro); formulação de idéia para criação de centro de convivência para os idosos; criação de grupos para prática de atividades físicas (corrida/caminhada); curso de uchinaguchi; etc
Campo Grande é considerada a cidade mais okinawana do Brasil (quem sabe a mais okinawana fora de Okinawa) já que aqui cerca de 60-70% dos descendentes de japoneses são de Okinawa. A cultura okinawana está muito marcada na nossa cidade, como o sobá, o karate e a prática do moai, estendendo-se não apenas aos descendentes mas também à toda população. Apesar disso, os campo-grandenses pouco conhecem sobre Okinawa. Portanto eu gostaria muito de poder trazer mais visibilidade e foco para a nossa comunidade e mostrar a importância dos nossos antepassados em moldar Campo Grande no que ela é hoje. Seja através de apresentações culturais, palestras ou cursos em parceira com as Secretarias de Educação e de Cultura e outras instituições. E dessa maneira, chamando a atenção das pessoas, podemos conseguir trazer mais gente de volta a frequentar a Associação.
Como já comentei, os descendentes, principalmente os da 3ª e 4ª gerações estão totalmente integrados à sociedade, sendo que a maioria pouco interesse tem em retornar às origens. Ademais, da mesma forma que os okinawanos contribuíram para o desenvolvimento da cidade, Campo Grande foi a cidade que acolheu nossas famílias, nossos antepassados, permitindo que lutassem por uma vida mais digna e assim o fizeram. Portanto sugiro também trabalharmos no lado social de forma a contribuir continuamente para a cidade que tão bem nos acolheu.
Em Okinawa há um sino famoso da época do Reino de Ryukyu chamado “Bankoku shinryō no kane, localizado no castelo de Shuri, em que está escrito algo como: “O Reino de Ryukyu é um lugar esplêndido no mar do Sul, com relações íntimas com as 3 naçoes: China, Coréia e Japão, que expressam grande admiração por estas ilhas. Em jornadas a vários países o Reino forma uma ponte entre todas as nações, preenchendo esta terra com bens preciosos e produtos de terras estrangeiras.” O jornalista e historiador José Yamashiro escreveu um livro sobre a história de Okinawa, chamado “Okinawa- Uma Ponte para o Mundo.” Tal nome se deve ao fato dos okinawanos terem relações comerciais, diplomáticas e culturais com diversos povos, principalmente da Ásia. Eram conhecidos por serem pacíficos, justos e cordiais, chamando atenção até de personagens famosos da história mundial como Napoleão Bonaparte. Ao contrário do Japão, que por um longo período de tempo de sua história permaneceu fechado para o exterior, o Reino de Ryukyu encontrava-se predominantemente aberto ao mundo, resultando no desenvolvimento dessa cultura rica e diversa, que herdamos e praticamos até hoje. Eu disse essa história no intuito de enfatizar que lá atrás, no passado, os okinawanos valorizaram a diversidade, seja cultural, étnica, de idéias, religiões e etc, sendo que a nossa cultura e quem nós somos hoje são frutos do contato com essas “diversidades”. E hoje devemos continuar o trabalho que as diretorias anteriores já começaram de tornar a nossa comunidade mais aberta e acolhedora a qualquer pessoa que se interessar pela nossa cultura. Deve ser um trabalho ativo o de mostrar que a cultura okinawana não é apenas uma cultura exótica aos olhos ocidentais, mas sim que já integra e já faz parte da cultura campo-grandense, sul-matogrossense e brasileira.
Teremos então vários desafios pela frente. E gostaria de poder contar com a colaboração de vocês para me ajudar nessa jornada de 2 anos. Reforço novamente que eu estarei sempre aberto para conversar, bem como sugestões e críticas.
Por fim, gostaria de agradecer à presença de todos vocês.
Muito obrigado! Ipee Nifee debiru!.